sábado, 14 de junho de 2008

Capoeira Angola


Por Bruno Costa

Comemora-se no dia 13 de maio a abolição da escravatura, passou 120 anos desde a assinatura da Lei Áurea, porém o que se aprende até hoje pela historiografia brasileira, é sobre um cenário de escravos amarrados em troncos, sendo chicoteados. Mas há um outro lado dessa história que diz respeito a tradição afro-brasileira, quando apresenta a liberdade conquistada pelos negros e a contribuição da cultura africana na edificação do Brasil.
Os negros vindos durante o período da escravidão para o Brasil eram na maioria, nascido em Angola. Eles eram considerados mais ágeis por terem estatura mediana e maior aproveitamento no trabalho braçal. Porém, essa habilidade dos angolanos também foi utilizada para eles fugirem das fazendas em busca de abrigo nas matas, conhecidas como capoeira. Os donos destes escravos mandavam os capitães-do-mato buscarem os fugitivos que enfrentavam os capatazes com ataques com os pés, com as mãos e com a cabeça, dando-lhes bordoadas que, às vezes, levavam à morte. Os capatazes que sobreviviam voltavam e os patrões faziam sempre a pergunta: cadê os negros? A resposta era sempre a mesma: fomos apanhados capoeira, referindo-se ao local onde foram derrotados. Acredita-se que daí surgiu o nome Capoeira Angola.
Atualmente muitos capoeiristas acreditam que a Capoeira Angola, utilizada pelos negros para se esquivarem dos chicotes, é simplesmente uma capoeira jogada mais lentamente, menos agressiva que usa golpes baixos e tem maior apoio das mãos no chão. Por isso é considerada superada na história dessa arte-luta pelas técnicas mais modernas, a tradicional Capoeira Regional.
O treinel Tchunha, fundador do grupo “Erê” de capoeira, de Coronel Fabriciano, destaca que praticantes desta modalidade desconhecem os valores e contribuições que podem ser adquiridos com a prática da Capoeira Angola. Treinel é o profissional que conduz a prática desta modalidade e que está apenas um nível abaixo do mestre-de-capoeira. Segundo ele, ao reunir música, poesia, folclore, artesanato e dança com a luta e os rituais, o jogo recebe outra projeção e pode ser traduzido como a mais forte e completa expressão da cultura popular brasileira.
O grupo Erê é composto por 10 crianças e adolescentes que apresentam problemas de comportamento como, por exemplo, agressividade. O curso de capoeira é gratuito e voltado para os alunos da rede pública de ensino da cidade. Uma vez por mês são realizadas reuniões com os pais dos alunos onde são retratados temas do cotidiano. Entre eles, as constantes brigas entre alunos na escola. Nestes encontros o treinel avalia as transformações que ocorrem na vida dos novos praticantes, tanto na escola quanto nas ruas. Paralelamente à atividade da capoeira, o grupo ainda recolhe cestas básicas, que são doadas por empresários da cidade e depois as distribui aos pais dos alunos.
Segundo Tchunha, a Capoeira Angola baseia-se em três pontos: a dança como disfarce em relação ao feitor; o jogo enquanto estudo de si mesmo e a luta como um instrumento de libertação. Tradicionalmente o ensino da antiga Capoeira Angola é feito através dos instintos, sem métodos. Os praticantes aprendem com a participação na roda. “Dessa forma as crianças e os adolescentes desenvolvem a concentração, uma vez que eles devem observar o amigo para aprender e desenvolver a própria técnica”, ressalta. Ele afirma que com este trabalho o grupo já conseguiu transformar a vida de muitas crianças e adolescentes.
Com a dança, que sempre é acompanhada de cantos, os quais tem letras que contam parte da história brasileira, o aluno Gilson Rodrigues, 17, conta que aprendeu uma “parte da vida dos antepassados que não é ensinada na escola”. Ele destaca a história do berimbau, que é o grande símbolo da capoeira. Ele só descobriu que este instrumento musical também foi utilizado como ferramenta de trabalho e era utilizado para corte de cerâmica nos encontros do grupo.
Tradicionalmente o ensino da antiga Capoeira Angola ocorre de forma instintiva, sem qualquer preocupação metodológica. Os novos praticantes aprendem com a participação na roda. “Dessa forma é desenvolvido nas crianças e nos adolescentes o ato da concentração e do estudo de si, uma vez que eles devem observar o amigo para aprender e desenvolver sua própria técnica”, afirmou Tchunha. O respeito aos mais destacados também é algo que tende a desenvolver durante as rodas de capoeira, pois é da observação dos movimentos, que os novos praticantes aprendem novas técnicas.
A capoeira foi perseguida durante a escravidão e também após a abolição da escravatura. Com o código penal em 1890, imposto durante o governo de Teodoro da Fonseca, essa prática foi proibida em todo o território nacional. Mas qual seria o motivo para a proibição? O ódio de alguns chefes políticos ou o medo da essência? Quanto a essas perguntas, ainda não se tem uma resposta, mas é certo afirmar que foi em nome da liberdade que a Capoeira nasceu e continua até os dias de hoje.
Assim como toda trajetória dessa arte/luta, a exemplo do grande mestre da arte, Mestre Pastinha, que por duas vezes foi tirado dos casarões onde transmitia o conhecimento dessa cultura afro-brasileira , o Erê também passou por várias dificuldades. A persistência, o amor pela arte e a vontade de difundir parte da história que representa o movimento de resistência da cultura negra, fez com que um grupo de alunos continuasse a prática da Capoeira Angola.
Atualmente o grupo joga e faz os encontros em local emprestado, mas em março deste ano recebeu um lote, doação da prefeitura local. Para eles o próximo passo é arrecadar doações de materiais de construção. Tchunha conta dos detalhes do projeto com empolgação: terá oficina de materiais de capoeira, como o berimbau e o atabaque, além de salas de estudos equipadas com computadores.
A roda de capoeira é realizada aos domingos de manhã na sede do Clube dos Escoteiros, no bairro dos Professores em Coronel Fabriciano. Para participar basta ser aluno de qualquer escola pública do município e ter mais de 6 anos. Quem quiser doar cestas básicas, a entrega pode ser feita no mesmo endereço dos treinamentos.

Origem dos golpes:

Os golpes da Capoeira Angola são baseados em animais, plantas e instrumentos de trabalho, como:

Martelo: vem do uso da própria ferramenta, onde o golpe repete o movimento de cima para baixo e é realizado com os pés;

Rabo de Arraia: é baseado no movimento do ataque da arraia;

Bananeira: é realizada com as pernas e pés para cima;

Esquivas: foram baseadas na observação das lutas entre os animais;

Meia Lua: ilustra o arco da lua e é feito com os pés;

Rasteira: vem da caçada do leopardo, que durante a corrida com a presa, bate com a pata da frente na base traseira do animal.

Coice e cabeçada: são baseados nos movimentos de luta e defesa da zebra.

Curiosidade

De acordo com o treinel Tchunha, os mestres mais antigos da Capoeira Angola afirmam que a Capoeira Angola se originou de ritual de uma tribo do sul da África. O animal símbolo é a zebra porque durante o ritual, os guerreiros lutavam entre si e o vencedor tinha o direito de escolher qualquer uma das mulheres da tribo que estivesse no início da vida sexual. A luta era baseada nos movimentos de ataque, defesa da zebra, animal abundante na África.

Jardim de cultura


Por Patrícia Vieira

Degustar um “Tom Jobim” ao som do melhor da MPB em um jardim com flores de lótus e bem ao lado de uma parede repleta de vinis. O nome do grande artista brasileiro serviu de inspiração para um delicioso filé mignon ao molho de queijo gorgonzola e está entre vários outros petiscos “artísticos” do cardápio do Jardim do Solar.
Freqüentar um lugar que mistura gastronomia com arte e cultura não é mais um privilégio de quem mora na capital. O Jardim do Solar foi inaugurado recentemente e fica em frente à prefeitura de Coronel Fabriciano, no Vale do Aço. Segundo os idealizadores do local, o nome foi escolhido por causa da letra da música composta por Gilberto Gil e Caetano Veloso nos anos 60 e interpretada pelos Mutantes. Tudo no bar e ateliê tudo foi minuciosamente pensado, desde a decoração com quadros de arte contemporânea aos trechos de poesias escritos nos azulejos dos banheiros.
O Jardim do Solar nasceu de um sonho de amigos de misturar, em um único local e com harmonia, gastronomia, arte, cultura, musica e literatura. Ao mesmo tempo um espaço que fosse palco para artistas anônimos da região do Vale do Aço. Para uma das idealizadoras do espaço, Ludmila Caldeira, o objetivo ao juntar um café com um ateliê, “é incentivar a produção cultural dentro e fora de seu domínio e contribuir para uma maior integração da vida cultural da região e da cidade”. Ela acrescenta que um dos propósitos do bar é fomentar a produção artística local: “damos espaço para a divulgação de trabalhos no “Brotos do Jardim”, um informativo onde novos talentos tem total liberdade de dilvugar poesias, contas e crônicas.
O café realiza seções de bate-papos e mesas redondas com temas variados com a participação de artistas, professores e pesquisadores. A programação é mensal e reúne eventos de moda, culinária, música, dança, artes visuais, fotografia, entre outros.
Para Riva Ávila, poeta, músico e colaborador artístico do bar “é importante que os trabalhos artísticos atinjam o público e não só algum crítico de arte, o espaço permite que qualquer artista exponha a sua arte”.
Um local pronto para uma discussão em torno de vários segmentos da arte, como música, moda, fotografia, culinária, artes visuais e até cinema, com sessões de filmes que marcaram a história do cinema e que não estão nos circuitos comerciais.
O ateliê abriu espaço para a divulgação de alguns trabalhos feitos por alunos do curso de Comunicação Social do Unileste. Peças publicitárias dos estudantes de Fotografia e de Direção de Arte podem ser vistos até o próximo dia 21 de junho.

Chapeleiras de Indaiá


Por Jonathan Santos

Eles já foram muito utilizados nas décadas de 60 e 70 na época em que fazendeiros e trabalhadores rurais usavam o chapéu para se protegerem do sol. Nos dias de hoje ainda é possível encontrar o antigo e resistente produto artesanal feita de indaiá. Dona Rosalina e a família dela trabalham há anos na confecção de chapéus em Antônio Dias, cidade mais antiga do Vale do Aço. Os chapéus já passaram por vários mãos, de geração a geração e é um complemento na renda da família.
Por ser a chapeleira mais idosa, 71 anos, a arte de confeccionar os chapéus é ensinada pelas experientes mãos de dona Rosalina que orienta os seis filhos e netos. Douglas tem 24 anos e é responsável pela primeira parte do trabalho, que é a retirada das folhas dos pés de Indaiá, plantados na área da chácara da família. “Seleciono as melhores folhas porque a matéria-prima tem de ser de boa qualidade. A palha do indaiá é uma espécie de coqueiro nativo da região e o fruto desse coqueiro parece com o coco da Bahia”, explica Douglas. A palha é feita com o guia do coqueiro, o primeiro broto da planta.
Daí pra frente o trabalho é de dona Rosalina que começou a fazer chapéus aos sete anos de idade. No fogão a lenha ela põem as folhas para cozinhar, depois do cozimento e secas as folhas são devidamente desfiadas; colocadas numa caixa com enxofre e depois trançadas. O processo pode levar até cinco dias. Helena é uma das quatro filhas de Dona Rosalina e ela conta que a diversão durante o dia é fazer chapéus e com a venda dos produtos consegue ajudar nas contas da casa.
Dona Rosalina não esconde a paixão pelo que faz: “quando estou fazendo chapéus e trançando fico mais feliz e estou perto de toda a minha família”. Se depender dela a tradição não vai acabar - aprendi com minha mãe, ensinei minhas filhas e minhas netas já sabem fazer chapéus de palha.
Como todo trabalho artezanal, os chapéus não dão muito retorno financeiro. Segundo dona Rosalina, como a venda é feita por atravessadores, a margem de lucro é pequena. “Os atravessadores pagam cerca de 20 reais em uma dúzia de chapéus e ganham quase cem por cento com a revenda”, lamenta. De acordo com a Associação das Chapeleiras existem aproximadamente duas mil chapeleiras em toda a região do Vale do Aço. Sendo que a maioria sobrevive indiretamente da produção.

A associação paga em uma dúzia de chapéus cerca de 35 reais que são vendidos em encontros e feiras de artesanato da região. Para o presidente do Patrimônio Histórico e Cultural de Antônio Dias, a organização das chapeleiras para tentar conseguir um melhor faturamento é fundamental. Mas, segundo ele, a principal preocupação tem sido manter a cultura das chapeleiras no Vale do Aço.


O Espetáculo de todos - Protagonistas do palco e da vida



Por Priscila Brandão

Os olhos brilham quando falam sobre a profissão, chega a arrepiar quem presencia a cena. Amor, prazer, tesão, satisfação garantida de exercer um trabalho não muito reconhecido, mas maravilhoso de se ver em cena. Os protagonistas deste espetáculo são Jefferson e Thiago, personagens comuns da vida real, mas, com um diferencial. Eles transmitem arte com encenações da vida.
Há quatro anos a cidade de Ipatinga “ganhou” mais um grupo de teatro. Com 25 anos de vida e oito de carreira o ator Jefferson Cirino, juntamente com o também ator e bailarino João Carlos Cardoso, fundaram a “Cia. Bruta de Teatro.” O grupo é formado por quatro profissionais, entre eles, Thiago Vaz, de 24 anos, que há três trabalha como profissional e diz não saber mais viver sem a arte.
A Companhia estreou com a peça “Deus e o Diabo no caminho do Sol” e se apresenta não só no Vale do Aço como também em outras regiões do país. O objetivo do grupo não é o de profissionalizar atores, por isso além dos integrantes fixos, somente atores profissionais são convidados para fazer um espetáculo. Segundo o diretor da companhia, Jefferson Cirino, a cultura no Vale do Aço tem sido valorizada consideravelmente, sendo possível encontrar grupos e oficinas de arte, além de atores qualificados.
Geralmente, o reconhecimento do trabalho de um ator é demorado e difícil. Os personagens desta história afirmam que passaram por muitas dificuldades e obstáculos para conquistarem um lugarzinho ao Sol. “Comecei varrendo palco, trocava cenário, fazia suco para as atrizes e hoje trabalho com elas. É inacreditável”, diz Jefferson. Mas mesmo quando o trabalho é reconhecido, segundo os atores, ainda sim é uma luta diária viver só de teatro, principalmente, no Brasil. Ter o reconhecimento por parte do público não é nada fácil, mas eles garantem que vale a pena tentar.
“Fui escolhido” - é assim que Cirino e Vaz definem como ingressaram nesse “mundo fictício da vida real”. Para eles, a arte foi quem os escolheu e não eles que escolheram a arte. “Tenho certeza que fui escolhido. O teatro é algo que vem de dentro pra fora, é a essência da alma”, ressalta Thiago. Ele acrescenta que o mais importante é aprender a viver a vida, apreciar a arte, valorizar o que é belo e, acima de tudo, procurar fazer o que proporciona prazer. “Eu sou aquilo que vivo”, completa.
Os dois jovens caíram de pára-quedas na profissão. De acordo com Jefferson Cirino, além do prazer de trabalhar com o que gosta, melhor ainda é saber que ele não precisa mais lidar com a relação patrão/empregado. Para ele, “o teatro é um maravilhoso exercício de mutação que permite mudanças contínuas, a vivência de momentos, de diferentes situações e recriações da vida”.

Uma dúvida cruel: a vida imita a arte ou a arte imita a vida? Como disse uma vez o grande Charles Chaplin: “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos.”