sábado, 14 de junho de 2008

Capoeira Angola


Por Bruno Costa

Comemora-se no dia 13 de maio a abolição da escravatura, passou 120 anos desde a assinatura da Lei Áurea, porém o que se aprende até hoje pela historiografia brasileira, é sobre um cenário de escravos amarrados em troncos, sendo chicoteados. Mas há um outro lado dessa história que diz respeito a tradição afro-brasileira, quando apresenta a liberdade conquistada pelos negros e a contribuição da cultura africana na edificação do Brasil.
Os negros vindos durante o período da escravidão para o Brasil eram na maioria, nascido em Angola. Eles eram considerados mais ágeis por terem estatura mediana e maior aproveitamento no trabalho braçal. Porém, essa habilidade dos angolanos também foi utilizada para eles fugirem das fazendas em busca de abrigo nas matas, conhecidas como capoeira. Os donos destes escravos mandavam os capitães-do-mato buscarem os fugitivos que enfrentavam os capatazes com ataques com os pés, com as mãos e com a cabeça, dando-lhes bordoadas que, às vezes, levavam à morte. Os capatazes que sobreviviam voltavam e os patrões faziam sempre a pergunta: cadê os negros? A resposta era sempre a mesma: fomos apanhados capoeira, referindo-se ao local onde foram derrotados. Acredita-se que daí surgiu o nome Capoeira Angola.
Atualmente muitos capoeiristas acreditam que a Capoeira Angola, utilizada pelos negros para se esquivarem dos chicotes, é simplesmente uma capoeira jogada mais lentamente, menos agressiva que usa golpes baixos e tem maior apoio das mãos no chão. Por isso é considerada superada na história dessa arte-luta pelas técnicas mais modernas, a tradicional Capoeira Regional.
O treinel Tchunha, fundador do grupo “Erê” de capoeira, de Coronel Fabriciano, destaca que praticantes desta modalidade desconhecem os valores e contribuições que podem ser adquiridos com a prática da Capoeira Angola. Treinel é o profissional que conduz a prática desta modalidade e que está apenas um nível abaixo do mestre-de-capoeira. Segundo ele, ao reunir música, poesia, folclore, artesanato e dança com a luta e os rituais, o jogo recebe outra projeção e pode ser traduzido como a mais forte e completa expressão da cultura popular brasileira.
O grupo Erê é composto por 10 crianças e adolescentes que apresentam problemas de comportamento como, por exemplo, agressividade. O curso de capoeira é gratuito e voltado para os alunos da rede pública de ensino da cidade. Uma vez por mês são realizadas reuniões com os pais dos alunos onde são retratados temas do cotidiano. Entre eles, as constantes brigas entre alunos na escola. Nestes encontros o treinel avalia as transformações que ocorrem na vida dos novos praticantes, tanto na escola quanto nas ruas. Paralelamente à atividade da capoeira, o grupo ainda recolhe cestas básicas, que são doadas por empresários da cidade e depois as distribui aos pais dos alunos.
Segundo Tchunha, a Capoeira Angola baseia-se em três pontos: a dança como disfarce em relação ao feitor; o jogo enquanto estudo de si mesmo e a luta como um instrumento de libertação. Tradicionalmente o ensino da antiga Capoeira Angola é feito através dos instintos, sem métodos. Os praticantes aprendem com a participação na roda. “Dessa forma as crianças e os adolescentes desenvolvem a concentração, uma vez que eles devem observar o amigo para aprender e desenvolver a própria técnica”, ressalta. Ele afirma que com este trabalho o grupo já conseguiu transformar a vida de muitas crianças e adolescentes.
Com a dança, que sempre é acompanhada de cantos, os quais tem letras que contam parte da história brasileira, o aluno Gilson Rodrigues, 17, conta que aprendeu uma “parte da vida dos antepassados que não é ensinada na escola”. Ele destaca a história do berimbau, que é o grande símbolo da capoeira. Ele só descobriu que este instrumento musical também foi utilizado como ferramenta de trabalho e era utilizado para corte de cerâmica nos encontros do grupo.
Tradicionalmente o ensino da antiga Capoeira Angola ocorre de forma instintiva, sem qualquer preocupação metodológica. Os novos praticantes aprendem com a participação na roda. “Dessa forma é desenvolvido nas crianças e nos adolescentes o ato da concentração e do estudo de si, uma vez que eles devem observar o amigo para aprender e desenvolver sua própria técnica”, afirmou Tchunha. O respeito aos mais destacados também é algo que tende a desenvolver durante as rodas de capoeira, pois é da observação dos movimentos, que os novos praticantes aprendem novas técnicas.
A capoeira foi perseguida durante a escravidão e também após a abolição da escravatura. Com o código penal em 1890, imposto durante o governo de Teodoro da Fonseca, essa prática foi proibida em todo o território nacional. Mas qual seria o motivo para a proibição? O ódio de alguns chefes políticos ou o medo da essência? Quanto a essas perguntas, ainda não se tem uma resposta, mas é certo afirmar que foi em nome da liberdade que a Capoeira nasceu e continua até os dias de hoje.
Assim como toda trajetória dessa arte/luta, a exemplo do grande mestre da arte, Mestre Pastinha, que por duas vezes foi tirado dos casarões onde transmitia o conhecimento dessa cultura afro-brasileira , o Erê também passou por várias dificuldades. A persistência, o amor pela arte e a vontade de difundir parte da história que representa o movimento de resistência da cultura negra, fez com que um grupo de alunos continuasse a prática da Capoeira Angola.
Atualmente o grupo joga e faz os encontros em local emprestado, mas em março deste ano recebeu um lote, doação da prefeitura local. Para eles o próximo passo é arrecadar doações de materiais de construção. Tchunha conta dos detalhes do projeto com empolgação: terá oficina de materiais de capoeira, como o berimbau e o atabaque, além de salas de estudos equipadas com computadores.
A roda de capoeira é realizada aos domingos de manhã na sede do Clube dos Escoteiros, no bairro dos Professores em Coronel Fabriciano. Para participar basta ser aluno de qualquer escola pública do município e ter mais de 6 anos. Quem quiser doar cestas básicas, a entrega pode ser feita no mesmo endereço dos treinamentos.

Origem dos golpes:

Os golpes da Capoeira Angola são baseados em animais, plantas e instrumentos de trabalho, como:

Martelo: vem do uso da própria ferramenta, onde o golpe repete o movimento de cima para baixo e é realizado com os pés;

Rabo de Arraia: é baseado no movimento do ataque da arraia;

Bananeira: é realizada com as pernas e pés para cima;

Esquivas: foram baseadas na observação das lutas entre os animais;

Meia Lua: ilustra o arco da lua e é feito com os pés;

Rasteira: vem da caçada do leopardo, que durante a corrida com a presa, bate com a pata da frente na base traseira do animal.

Coice e cabeçada: são baseados nos movimentos de luta e defesa da zebra.

Curiosidade

De acordo com o treinel Tchunha, os mestres mais antigos da Capoeira Angola afirmam que a Capoeira Angola se originou de ritual de uma tribo do sul da África. O animal símbolo é a zebra porque durante o ritual, os guerreiros lutavam entre si e o vencedor tinha o direito de escolher qualquer uma das mulheres da tribo que estivesse no início da vida sexual. A luta era baseada nos movimentos de ataque, defesa da zebra, animal abundante na África.

Jardim de cultura


Por Patrícia Vieira

Degustar um “Tom Jobim” ao som do melhor da MPB em um jardim com flores de lótus e bem ao lado de uma parede repleta de vinis. O nome do grande artista brasileiro serviu de inspiração para um delicioso filé mignon ao molho de queijo gorgonzola e está entre vários outros petiscos “artísticos” do cardápio do Jardim do Solar.
Freqüentar um lugar que mistura gastronomia com arte e cultura não é mais um privilégio de quem mora na capital. O Jardim do Solar foi inaugurado recentemente e fica em frente à prefeitura de Coronel Fabriciano, no Vale do Aço. Segundo os idealizadores do local, o nome foi escolhido por causa da letra da música composta por Gilberto Gil e Caetano Veloso nos anos 60 e interpretada pelos Mutantes. Tudo no bar e ateliê tudo foi minuciosamente pensado, desde a decoração com quadros de arte contemporânea aos trechos de poesias escritos nos azulejos dos banheiros.
O Jardim do Solar nasceu de um sonho de amigos de misturar, em um único local e com harmonia, gastronomia, arte, cultura, musica e literatura. Ao mesmo tempo um espaço que fosse palco para artistas anônimos da região do Vale do Aço. Para uma das idealizadoras do espaço, Ludmila Caldeira, o objetivo ao juntar um café com um ateliê, “é incentivar a produção cultural dentro e fora de seu domínio e contribuir para uma maior integração da vida cultural da região e da cidade”. Ela acrescenta que um dos propósitos do bar é fomentar a produção artística local: “damos espaço para a divulgação de trabalhos no “Brotos do Jardim”, um informativo onde novos talentos tem total liberdade de dilvugar poesias, contas e crônicas.
O café realiza seções de bate-papos e mesas redondas com temas variados com a participação de artistas, professores e pesquisadores. A programação é mensal e reúne eventos de moda, culinária, música, dança, artes visuais, fotografia, entre outros.
Para Riva Ávila, poeta, músico e colaborador artístico do bar “é importante que os trabalhos artísticos atinjam o público e não só algum crítico de arte, o espaço permite que qualquer artista exponha a sua arte”.
Um local pronto para uma discussão em torno de vários segmentos da arte, como música, moda, fotografia, culinária, artes visuais e até cinema, com sessões de filmes que marcaram a história do cinema e que não estão nos circuitos comerciais.
O ateliê abriu espaço para a divulgação de alguns trabalhos feitos por alunos do curso de Comunicação Social do Unileste. Peças publicitárias dos estudantes de Fotografia e de Direção de Arte podem ser vistos até o próximo dia 21 de junho.

Chapeleiras de Indaiá


Por Jonathan Santos

Eles já foram muito utilizados nas décadas de 60 e 70 na época em que fazendeiros e trabalhadores rurais usavam o chapéu para se protegerem do sol. Nos dias de hoje ainda é possível encontrar o antigo e resistente produto artesanal feita de indaiá. Dona Rosalina e a família dela trabalham há anos na confecção de chapéus em Antônio Dias, cidade mais antiga do Vale do Aço. Os chapéus já passaram por vários mãos, de geração a geração e é um complemento na renda da família.
Por ser a chapeleira mais idosa, 71 anos, a arte de confeccionar os chapéus é ensinada pelas experientes mãos de dona Rosalina que orienta os seis filhos e netos. Douglas tem 24 anos e é responsável pela primeira parte do trabalho, que é a retirada das folhas dos pés de Indaiá, plantados na área da chácara da família. “Seleciono as melhores folhas porque a matéria-prima tem de ser de boa qualidade. A palha do indaiá é uma espécie de coqueiro nativo da região e o fruto desse coqueiro parece com o coco da Bahia”, explica Douglas. A palha é feita com o guia do coqueiro, o primeiro broto da planta.
Daí pra frente o trabalho é de dona Rosalina que começou a fazer chapéus aos sete anos de idade. No fogão a lenha ela põem as folhas para cozinhar, depois do cozimento e secas as folhas são devidamente desfiadas; colocadas numa caixa com enxofre e depois trançadas. O processo pode levar até cinco dias. Helena é uma das quatro filhas de Dona Rosalina e ela conta que a diversão durante o dia é fazer chapéus e com a venda dos produtos consegue ajudar nas contas da casa.
Dona Rosalina não esconde a paixão pelo que faz: “quando estou fazendo chapéus e trançando fico mais feliz e estou perto de toda a minha família”. Se depender dela a tradição não vai acabar - aprendi com minha mãe, ensinei minhas filhas e minhas netas já sabem fazer chapéus de palha.
Como todo trabalho artezanal, os chapéus não dão muito retorno financeiro. Segundo dona Rosalina, como a venda é feita por atravessadores, a margem de lucro é pequena. “Os atravessadores pagam cerca de 20 reais em uma dúzia de chapéus e ganham quase cem por cento com a revenda”, lamenta. De acordo com a Associação das Chapeleiras existem aproximadamente duas mil chapeleiras em toda a região do Vale do Aço. Sendo que a maioria sobrevive indiretamente da produção.

A associação paga em uma dúzia de chapéus cerca de 35 reais que são vendidos em encontros e feiras de artesanato da região. Para o presidente do Patrimônio Histórico e Cultural de Antônio Dias, a organização das chapeleiras para tentar conseguir um melhor faturamento é fundamental. Mas, segundo ele, a principal preocupação tem sido manter a cultura das chapeleiras no Vale do Aço.


O Espetáculo de todos - Protagonistas do palco e da vida



Por Priscila Brandão

Os olhos brilham quando falam sobre a profissão, chega a arrepiar quem presencia a cena. Amor, prazer, tesão, satisfação garantida de exercer um trabalho não muito reconhecido, mas maravilhoso de se ver em cena. Os protagonistas deste espetáculo são Jefferson e Thiago, personagens comuns da vida real, mas, com um diferencial. Eles transmitem arte com encenações da vida.
Há quatro anos a cidade de Ipatinga “ganhou” mais um grupo de teatro. Com 25 anos de vida e oito de carreira o ator Jefferson Cirino, juntamente com o também ator e bailarino João Carlos Cardoso, fundaram a “Cia. Bruta de Teatro.” O grupo é formado por quatro profissionais, entre eles, Thiago Vaz, de 24 anos, que há três trabalha como profissional e diz não saber mais viver sem a arte.
A Companhia estreou com a peça “Deus e o Diabo no caminho do Sol” e se apresenta não só no Vale do Aço como também em outras regiões do país. O objetivo do grupo não é o de profissionalizar atores, por isso além dos integrantes fixos, somente atores profissionais são convidados para fazer um espetáculo. Segundo o diretor da companhia, Jefferson Cirino, a cultura no Vale do Aço tem sido valorizada consideravelmente, sendo possível encontrar grupos e oficinas de arte, além de atores qualificados.
Geralmente, o reconhecimento do trabalho de um ator é demorado e difícil. Os personagens desta história afirmam que passaram por muitas dificuldades e obstáculos para conquistarem um lugarzinho ao Sol. “Comecei varrendo palco, trocava cenário, fazia suco para as atrizes e hoje trabalho com elas. É inacreditável”, diz Jefferson. Mas mesmo quando o trabalho é reconhecido, segundo os atores, ainda sim é uma luta diária viver só de teatro, principalmente, no Brasil. Ter o reconhecimento por parte do público não é nada fácil, mas eles garantem que vale a pena tentar.
“Fui escolhido” - é assim que Cirino e Vaz definem como ingressaram nesse “mundo fictício da vida real”. Para eles, a arte foi quem os escolheu e não eles que escolheram a arte. “Tenho certeza que fui escolhido. O teatro é algo que vem de dentro pra fora, é a essência da alma”, ressalta Thiago. Ele acrescenta que o mais importante é aprender a viver a vida, apreciar a arte, valorizar o que é belo e, acima de tudo, procurar fazer o que proporciona prazer. “Eu sou aquilo que vivo”, completa.
Os dois jovens caíram de pára-quedas na profissão. De acordo com Jefferson Cirino, além do prazer de trabalhar com o que gosta, melhor ainda é saber que ele não precisa mais lidar com a relação patrão/empregado. Para ele, “o teatro é um maravilhoso exercício de mutação que permite mudanças contínuas, a vivência de momentos, de diferentes situações e recriações da vida”.

Uma dúvida cruel: a vida imita a arte ou a arte imita a vida? Como disse uma vez o grande Charles Chaplin: “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos.”

Maquiagem da vida. Que cor ela tem?

Por Luis Augusto

Tinta branca no rosto, sobrancelhas em destaque de preto, uma camiseta com listras em branco e preto, chapéu feito de coco, um clássico suspensório e a calça preta meio amarrotada. Assim ele é visto todos os dias, no centro da cidade.
A cidade é tão grande e sem piedade. Difícil entender como ela não o engole. Talvez engula. Naquele momento bem humorado, ele pula, traça rápidos movimentos, fazendo graça e gestos gozados e arranca alguns sorrisos das pessoas que aos pouco o rodeiam.
Naquele espaço, pelo mímico passa um mundo de pessoas. Tantos olhares, diversidade: ricos, pobres, estudantes, advogados, executivos, padres, ladrões, comerciantes, gente que não tem nada e muita gente que acha que tem tudo. Quando formam uma grande roda à sua volta, ele se sente mais querido, aplaudem e, no momento em que ele passa o chapéu feito de côco, deixam cair nele uma coisa que já não lhe faz mais falta.
O coração daquele lugar é uma loucura, a multidão se apodera das ruas, todos têm muita pressa e dinheiro a perder. Este artista não. Continua no mesmo lugar, impassível e alheio a toda correria, sereno. Ele apenas dá conta de seu trabalho. Nem uma das pessoas que passa por ali consegue imaginar como pode ser seu rosto coberto por aquela maquiagem preta e branca, pesada. Muito menos conhecer seu nome, sua moradia, sua família, sua biografia. Permanente gringo.
Seu nome é Oliveto Ollivier, morador de um bairro pobre, se abriga em um cortiço. A cozinha é apertada, mal cabem duas pessoas e os poucos móveis que ali estão, dorme em um quartinho abafado onde com ele ficava a mulher e um filho pequeno. Por vezes resolve não ir para casa. Vai ao bar, tira a maquiagem, e quando se reconhece no espelho, o primeiro sinal que ele vê é a cicatriz na testa, marca de uma antiga briga, dia em que bebeu demais, então pede uma dose de pinga e uns dois maços de cigarros. Depois pede outra dose e outra e outra.. Por fim, quando chega ao seu cortiço, a mulher “compreende” e o coloca na cama, onde a noite irão passar junto ao filho. No dia seguinte, ao despertar, Oliveto chora escondido, feito uma criança com medo do “monstro do armário”.
No tempo de infância, ele dizia que quando fosse maior seria galã de filmes. Neste tempo os amigos de Oliveto estavam deslumbrados com os grandes craques do futebol. Dizia mais, seria astro e beijaria todas aquelas mulheres, teria muito dinheiro para poder fazer todas as coisas que a situação social em que vivia não o permitia fazer, sua imaginação o empolgava tanto que chegava a pensar como se fosse o dono do mundo. Vivia nos cinemas lá do centro. Não tinha dinheiro, mas era muito próximo do bilheteiro que deixava entrar na surdina. Mas a criança cresceu, seus sonhos continuaram sonhos e hoje é um homem ainda em busca do que pensava do seu futuro.
A realidade o leva novamente para o centro da cidade, o dever de levar para casa, mesmo que ainda pouco, o que comer. A maquiagem já faz parte da sua pele, e agora vai fazer mímica e fingir. Não se considera um bom mímico. Pensa, "Se fosse, eu seria artista de cinema". Existe algo em seus olhos que a máscara de tinta não oculta. Um brilho fosco, este que denuncia toda uma vida despedaçada, desacreditado de tudo. Porém, nem uma das pessoas que cultua a efervescência diária, no centro da cidade, tem conhecimento disso. Para toda essa gente, Oliveto é só um mímico, mais um artista de rua. Descrente, mas para ele isto basta.
Oliveto Ollivier hoje tem 63 anos, o filho foi embora com a mãe para Portugal junto com os avós. Desde então Oliveto tem notícias da família apenas no Natal e por carta. Com muito custo e depois de muita mímica conseguiu montar uma bancada onde tem os instrumentos de chaveiro. A bancada fica em um espaço entre a parede de uma barbearia e o muro de um edifício residencial no centro da cidade, bem ao lado do bar onde ele sempre se banha e ainda toma suas doses de pinga acompanhadas de vários maços de cigarro.

Travessa Intendente Gravatá


Por Fábio Junio

A cidade de Coronel Fabriciano chega aos 60 anos com a responsabilidade de ser a primeira do Vale do Aço, região que se desenvolveu economicamente por ser rota da estrada de ferro Vitória-Minas. Atualmente, é considerada uma das principais vias de escoamento da produção siderúrgica de Minas Gerais.
Uma zona metalúrgica formada por pessoas que vieram fazer a história da jovem, porém, promissora região. Estes carregam o berço cultural da cidade e são narradores de contos de um bairro, de uma rua e até mesmo de um simples beco.
Uma rua estreita, sem saída e imprópria para o trânsito possui, às vezes, uma riqueza histórica que não está nos livros mas, que trouxe contribuições para a cultura de uma comunidade.
Um bom exemplo é a Travessa Intendente Gravatá, localizada no bairro Nazaré, em Coronel Fabriciano. Um lugar que há quatro décadas conta muitas histórias. Há 44 anos, Maria das Dores Martins deixou a cidade onde morava, Fernandes Estourinho, para tentar ganhar a vida no Vale do Aço. “Quando aqui cheguei não havia uma casa e era tudo pasto. Os moradores utilizavam o trajeto de onde hoje é o beco para chegarem mais rápido à rodovia. Aos poucos foram sendo construídos os barracões em torno da travessa, a cidade cresceu e o beco ficou”, lembra. Dona Maria conta que foi na Travessa Intendente Gravatá que ela criou nove filhos e que agora vê os netos brincarem felizes pelas ladeiras do beco.
O local é privilegiado e a travessa cruza a Rua Duque de Caxias, localizada bem no centro da cidade. Além disso, na década de 80, a zona boêmia do município ficava no bairro Nazaré. O local era conhecido pelos freqüentadores da travessa como “Chiquein”, uma galeria com vários bares.
A famosa travessa também faz parte da vida de outros personagens. D. Joaquina, que hoje tem 44 anos, conta como o beco Gravatá deixou boas recordações na vida dela. “Lembro-me quando havia um forró no beco e até moradores de outros bairros da cidade vinham para dançar e se divertir. Vez ou outra havia algumas brigas, mas nada que tirasse o brilho do local”, conta com nostalgia. Joaquina revelou que conheceu o marido dela naquele beco e que presenciou uma grande amiga ser carregada no colo, pelo noivo, até o altar da igreja.
Entretanto, a Travessa Intendente Gravatá já não é mais a mesma. Atualmente, a criminalidade mancha todo o glamour de outrora. Bêbados perambulam pelo beco e drogados usam o local para o tráfico de drogas. Outro aspecto negativo do beco são as várias construções da década de 1950 que estão em ruínas. Um rico patrimônio histórico de Coronel Fabriciano está, lentamente, sendo destruído pela ação do tempo sem que nada seja feito para recuperá-lo.
Com o objetivo de tentar incentivar as autoridades municipais a preservarem o patrimônio histórico da cidade, o arquiteto Wilkinson Neves, 26 anos, elaborou o projeto Fragmentos Históricos. Neste trabalho ele fotografou as construções mais antigas do município. “Coronel Fabriciano está, aos poucos, se transformando em uma cidade sem cara. Muitos prédios antigos foram derrubados e outros estão completamente abandonados. Há uma forma de fazer construções modernas sem danificar as construções antigas”, observou. O arquiteto disse que pretende promover uma exposição das fotos do projeto para tentar sensibilizar os moradores e as autoridades de Coronel Fabriciano para que não deixem belas histórias, como as vividas na Travessa Intendente Gravatá, se transformarem em poeira.

A cultura de um povo não é feita de aço


Por kleber William

O Vale do Aço é uma região situada no Leste do Estado de Minas Gerais e é formada por 26 cidades. Coronel Fabriciano, Ipatinga, Santana do Paraíso e Timóteo formam a Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA) e outras 22 formam o Colar Metropolitano. As manifestações culturais são inúmeras, entre elas destacam-se o Congado e as Chapeleiras no bairro Cocais, os tapetes artesanais nas ruas do bairro dos Professores, a Festa de Santo Antônio, o Ateliê e Café Cultural (Coronel Fabriciano); o Congado, a Feirarte, os Grupos de Consciência Negra GRUCON e FARROUPILHA (Ipatinga); a Festa de Santana, a Arte Feira e a Festa de Boi Balaio (Santana do Paraíso); os Blocos Caricatos Dexeu falá e Tem Nada a Ver, as Rodas de Capoeira, a Banda de Música Santa Cecília, (Timóteo).
Em Coronel Fabriciano, o congado e as chapeleiras do Bairro Cocais, a marujada do Bairro Mangueiras e a Quadrilha do Pedrinho, são consideradas as mais antigas manifestações da cidade. Recentemente, a ornamentação que os moradores do Bairro dos Professores fazem nas ruas, por ocasião da celebração de Corpus Christi, foi considerada patrimônio cultural.
Maria Cecília Araújo, 63 anos, mora no bairro há 27 anos. Ela conta que os tapetes ornamentais, feito nas ruas, eram preparados apenas com folhagens. Passado alguns anos, os moradores acrescentaram canjiquinha, arroz, trigo, pó-de-café e pó-de-serra.
Todo o material é usado para cobrir as ruas do bairro com desenhos religiosos católicos como o cálice, uvas, o coração de Jesus Cristo, entre outros símbolos que representam a solenidade do Corpo e Sangue de Cristo. Nesta data, os fiéis celebram o Mistério Pascal o Senhor, que segundo a Igreja Católica mina as forças do egoísmo e as transformam em dons de Deus.

“Infelizmente ouço com imensa tristeza algumas pessoas criticarem, por exemplo, a encenação que fazemos na representação da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo”, lamenta Maria Cecília.

Já em Santana do Paraíso, além da tradicional Festa de Santana; realizada há mais de 50 anos, várias outras manifestações culturais são realizadas durante o ano. Entre elas, o Grupo de Congado Nossa Senhora do Paraíso, a Festa do Divino, o Boi Balaio. O Projeto Arte e Vida para todos e a Arte Feira completam o calendário cultural da cidade. A Arte Feira é realizada uma vez por mês na praça da matriz, localizada no centro da cidade, onde são divulgados os produtos culturais de diversos artesãos locais, além de uma variedade de comidas e bebidas típicas da região.

Michel Serrabbiamo, representante da classe artística na Comissão Municipal de Incentivo à Cultura (CMIC) de Ipatinga, afirma que “O papel principal da Comissão é avaliar os projetos que buscam receber algum tipo de recurso amparado na Lei de Municipal de Incentivo à Cultura”. Para ele, o Vale do Aço deixou de ser mero consumidor de cultura e passou a ser um pólo criador, sendo o segundo de Minas Gerais.
Em Timóteo, quarta cidade que completa a região, o congado também é uma forte manifestação cultural. O carnaval também tem destaque na cidade. Os blocos caricatos “Dexeu falá” e “Tem nada a ver”, mesmo quando não há desfile durante o carnaval, saem às ruas e mantém uma tradição há mais de 20 anos.
O Centro Cultural de Coronel Fabriciano, o Centro Cultural Usiminas e o Teatro Zélia Olguim, em Ipatinga, a Fundação ArcelorMittal Acesita, em Timóteo, são espaços culturais que complementam com espetáculos a divulgação da cultura do povo do Vale.

Arte como Fonte de Renda

Por Suelln Karla

O Projeto “Artesanato como Fonte de Renda” vem sendo desenvolvido no Estádio Jurandir Ferreira, no município mineiro de Belo Oriente, desde Fevereiro de 2007. O projeto conta com o apoio da Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Esporte e Lazer da cidade. A idealizadora e coordenadora do projeto é a professora Lúcia Maria de Oliveira, formada em Normal Superior pelo Unileste/MG, além de ter feito cursos de arte, teatro e reciclagem.
O projeto é voltado para os alunos da rede municipal e estadual de ensino e também é aberto para a comunidade. Atualmente, 30 adolescentes e sete mães freqüentam as aulas. A idade mínima para se inscrever é de 12 anos, mas a aluna Gabriela Cristina, de apenas oito anos, é a exceção da turma em função dela ter facilidade em aprender. De acordo com Lúcia Maria, de acordo com o próprio nome do projeto, o objetivo é despertar o interesse pelo artesanato nas pessoas que gostariam de fazer deste aprendizado uma fonte de renda.
O primeiro passo do projeto foi o ensino do teatro para as crianças. As peças eram apresentadas nos bairros e distritos de Belo Oriente. A segunda fase foi desenvolver o trabalho com materiais reciclados, o que chamou mais a atenção dos moradores. Eles aprenderam como reaproveitar objetos que, simplesmente, eram jogados no lixo.
Os alunos estão na terceira fase do projeto que é o ensino das técnicas de pintura em pano. Para algumas mães esta é a melhor parte, pois é a hora de algumas mães começarem a colher frutos do que foi investido no curso. A aluna Maria Aparecida, 29 anos, adora as aulas e para ela o projeto já deu retorno: vendi vários panos de prato e tenho encomendas para os próximos trabalhos, conta sorridente. Ela afirma que o dinheiro que arrecada com as vendas tem ajudado muito na renda em casa.
Para a aluna Maria Lúcia o projeto está sendo uma grande oportunidade. Desempregada, ela acredita que as técnicas aprendidas no curso vão ajudá-la financeiramente. Segundo ela, outro aspecto interessante é que as crianças podem, com o dinheiro obtido nas vendas dos produtos, comprar material de escola. “Inclusive, muitos adolescentes poderiam estar nas ruas se drogando ou algo pior, mas estão aqui aprendendo”, observa.
Todo o material utilizado nas aulas, como tintas, panos, pincéis, entre outros, são comprados pelos alunos. Segundo a professora Lúcia Maria, a próxima etapa será pintura em tela com tinta a óleo. Ela ressalta que esta fase também será uma excelente oportunidade para os alunos, “pois além de gerar lucro, se eles souberem aproveitar o aprendizado, poderão até se tornar artistas plásticos. A professora acredita que saiam do projeto Arte como Fonte de Renda adolescentes e adultos não só ricos em conhecimento, mas, também com uma profissão.
“Aprendo e posso vender meus trabalhos e este projeto é muito bom!”, conta Letícia Dias, de 11 anos. Rayssiane Ruella, 11 anos, também adora as aulas: “em vez de ficar à toa na rua, venho pra cá, aprendo e aproveito bem melhor meu tempo”.Os alunos adoram o projeto e pretendem até ajudar a “Tia Lúcia” nas próximas turmas. Porém, eles lamentam a falta de um espaço apropriado e com melhores condições para as aulas. Lúcia Maria conclui que este projeto representa uma página na história da vida destas pessoas, “escrita por elas mesmas e que se souberem aproveitar esta chance serão grandes profissionais futuramente”.

Cinema, desativado há sete anos, vira espaço cultural


Por Djalma Eugênio

O antigo cinema, como é conhecido pelos moradores do Bairro Melo Viana, em Coronel Fabriciano, está de cara nova. Além de uma boa reforma, o cinema está com um calendário repleto de atrações. Só no mês de abril foram oito eventos. Entre eles destacaram – se as palestras com temas de saúde, nutrição e estética, exposições de cerâmicas indígenas e o lançamento de dois documentários sobre o retorno da produção de cerâmica indígena no Estado.
A música e o cinema ganharam destaque na década de 80 em todo o país e esse período foi marcado por várias manifestações culturais. O cinema sempre recebeu influencia da música e, por sua vez, a música do cinema.
Nesta época o Cine Alvorada já estava a todo vapor com atrações que levavam os cinéfilos (público apaixonados pelo cinema?) ao delírio. Após o seu fechamento em 1990, o prédio foi alugado para lojas e para a comunidade que, às vezes, promovia algum evento. Em 2001 o local foi definitivamente fechado e, de lá pra cá, se transformou em um depósito de quinquilharias sofrendo a ação do tempo e sendo depredado por vândalos. Para os amantes do cinema, ele sempre foi um santuário de boas lembranças. Um lugar que guarda parte da história da vida de muitas pessoas. Como é o caso da professora aposentada, Geralda de Souza, 68 anos, conhecida como Dona Ladica. Ela mora ao lado do antigo cinema e lembra, emocionada, dos bons tempos em que assistia a um bom filme com a família. Dona Ladica faz questão de dizer que foi a mãe dela que vendeu o terreno ao fazendeiro, Dr. Rubens Maia, o qual resolveu investir no ramo de entretenimento na cidade.
O Gerente de Educação e Cultura da Prefeitura de Coronel Fabriciano Amir de Carvalho, disse que a proposta é fazer do Cine Alvorada um espaço aberto para as escolas desenvolverem a arte e a cultura com os alunos. Para isso, a Secretaria de Educação, pretende promover vários eventos envolvendo todas as escolas do município. Segundo ele, o objetivo é fazer com que os alunos possam se interagir em um ambiente agradável e organizado. Isso pode incentivar e valorizar a cultura regional, possibilitando o surgimento de novos artistas e dar ainda à comunidade em geral, uma oportunidade de crescer no campo artístico, e no âmbito cultural.
A transformação do espaço em um centro de apoio e incentivo a arte começou ha dois anos com o Professor Zezinho, que foi o antigo Gerente de Educação e Cultura da Prefeitura de Coronel Fabriciano. O sonho dele era que o cinema fosse transformado em um Centro de Treinamento de Artes. O professor Zezinho, vitimado por problemas de saúde, morreu em 2006, sem ver o Centro de Artes e Educação inaugurado. Amir de carvalho conclui dizendo que “A morte do idealizador do projeto aumentou o compromisso da Administração Municipal em fazer desse espaço o que ele é hoje”.

Irreverência e bastante humor


Por Flávio Augusto Ribeiro

Desobedeça! Esse é o tom de protesto do bloco caricato “Tem Nada a Ver” que nos tempos áureos do carnaval timotense, já chegou a levar 50 mil pessoas para Alameda 31 de Outubro. O bloco usa roupas pretas, faixas com conteúdo crítico e é sempre acompanhado pelo som de marchas fúnebres interpretadas por músicos da região. Este ano (2008), o tema foi “100% 171”, em alusão ao período eleitoral e, segundo os organizadores do bloco, mais de 400 pessoas participaram da 28ª. edição do desfile em Timóteo.
Os moradores da cidade aguardam com expectativa o tradicional desfile do “Tem Nada a Ver” que é marcado sempre pelo bom humor dos integrantes do bloco. Políticos, entidades públicas e empresas privadas não escapam dos olhos atentos dos foliões que traduzem as insatisfações de uma audaciosa e irreverente.

Um bloco de resistência

Com a intenção de chamar a atenção do público para o 28ª desfile os membros do bloco fizeram uma “chamada geral” pelos bairros da cidade e, de acordo com os organizadores, cerca de 10 mil pessoas participaram do desfile. O artista plástico Oribes Cabral é o presidente do bloco e, com orgulho, ele conta como surgiu o bloco: “gosto muito de carnaval, tudo começou na minha casa e as escolas de samba “Unidos do Quitandinha” e “Os Bocas Brancas” também nasceram nas imediações de onde moro.”
Segundo o poeta Roberto Pereira, mais conhecido como Beto Poeta, o “Tem Nada a Ver” já surgiu com o objetivo de ser o porta-voz de críticas sociais. “No início da década de 80, quando o bloco foi fundado, o Brasil ainda vivia a ditadura e não era possível fazer criticas. Começamos com sátiras em cima do cenário político da região e até hoje carregamos esse estilo” afirma.

De acordo com Oribes Cabral, o tema deste ano foi escolhido em função das eleições: “por ser um ano político vamos ouvir muitas mentiras e falsas promessas e entramos na avenida fazendo críticas contra os órgãos públicos, empresas, associações comerciais e clubes”.
“O bloco funciona como porta-voz dos trabalhadores massacrados, que não têm coragem de se expôr com medo de perder o trabalho. Trazemos para a avenida a voz dos injustiçados que buscam justiça em todo segmento social”, completa Beto Poeta. Segundo os organizadores, dois motivos explicam o tempo de existência do bloco - o apoio da comunidade e a angariação de recursos financeiros. “O Tem Nada a Ver” também existe pela nossa garra e de sempre mostrarmos as injustiças que acontecem na nossa cidade e no nosso país. Se não fosse por isto, o bloco não existiria mais”, afirma Oribes.

Futuro

O presidente do bloco informou que o custo para desfilar na avenida este ano girou em torno de R$ 10 mil. Uma das medidas a serem tomadas pelos integrantes do bloco para tentar diminuir os custos é a profissionalização. “Queremos nos estruturar com computadores e máquinas de costura para confeccionarmos nossas camisas e ternos. Pretendemos vender camisas do bloco e fazer mais desfiles durante o ano”, revelou. No dia 1º de Maio, o bloco apresentou o tema “1ª DesMaio” e no próximo 7 de Setembro o tema será “7 de Setenebroso”.
Oribes Cabral recorda que na “era de ouro” do carnaval timotense, a cidade chegava a atrair cerca de 50 mil foliões. Para ele, o fim das comemorações trouxe prejuízos financeiros para a cidade: “imagine se cada pessoa gastasse, no mínimo, R$ 500 reais em Timóteo durante o carnaval? Quando não tem festa os moradores acabam gastando fora e ainda tem o risco de acidentes nas estradas”. Segundo Beto Poeta, o desfile é uma tentativa de resgatar a cultura timotense, “o carnaval nunca deveria ter acabado e quem ficou prejudicada foi a população”.
A idéia de desfilar uma semana após o carnaval foi mais uma maneira encontrada pelos integrantes do bloco para criticar o fim da festa na cidade. “Desde o ano passado decidimos desfilar no primeiro sábado depois da folia para fazer, de fato, o enterro do carnaval de Timóteo”, finalizou o presidente do bloco “Tem Nada a Ver”.


Foto: Acervo de beto poeta e do bloco caricato tem nada a ver.

Um marujo de fé



Por Graciele Pereira

Jaguaraçu é uma cidadezinha pacata onde se respira ar puro. Com quase 3 mil habitantes, Leandro Clementino é um marujo e aos 73 anos comanda a regência do grupo folclórico de congada que é uma tradição no local. Uma parceria de 40 anos de história.
Antônia Lisboa tem 74 anos e é casada com Leandro. Ela desempenha as funções no grupo folclórico com total devoção. Mais do que folclore o significado religioso da congada é grande e todos são devotos de Nossa Senhora do Rosário. Leandro conta que fez uma promessa quando teve que fazer uma cirurgia na coluna e havia o risco dele ficar paraplégico. Ele conta que depois que recebeu a graça, passou a se dedicar de corpo e alma ao grupo.
O mês de Julho é a época em se comemora a festa do Rosário na cidade e durante os festejos eles recebem mais de 30 pessoas em casa. Os congadeiros das localidades próximas se integram ao grupo e dona Antonia conta que o marido dela faz uma verdadeira festa com os amigos que ele reencontra: “a data é sagrada e virou um ponto de encontro, eles alegram a casa”. Segundo Leandro, alguns dos marujos ficam o ano todo sem se ver, mas que nesta data todos dão um jeito e aparecem.
Geraldo Martins, diz que vô Leandro está a todo vapor: “ele faz caminhada, anda de bicicleta pelas ruas da cidade, visita os amigos, vai à missa aos domingos e está sempre de bem com a vida”. De acordo com ele, quando vô Leandro senta pra prosear, o tempo passa num piscar de olhos quando o velho marujo começa a contar as lembranças dos velhos tempos. “Vô Leandro passou por uma superação de vida quando teve a casa dele queimada há uns 50 anos. Ele perdeu tudo e ficou morando num quarto na da casa de um amigo, mas ele se reergueu, adquiriu tudo de novo com muito esforço. Foi neste período que me aproximei dele e vi a sua garra e força de vontade”.
As crianças também se divertem na companhia do casal. Matheus, de apenas três anos, entra na casa gritando vovó, vovó! Leandro começa então a tocar sanfona e, em minutos, a sala está cheia com os vizinhos e conhecidos que passam pela rua e entram contagiados pela música.
Leandro possui vários instrumentos musicais e eles formam uma verdadeira fanfarra. Em pouco tempo o pandeiro está nas mãos de alguém, o triângulo nas mãos de outro, a caixa, a zabumba e o chique-chique ficam à disposição de quem queira tocar. Só a sanfona, o xodó de Leandro, é guardada a sete chaves.

O neto, Márcio Raufre, vê o avô como um velho amigo e um conselheiro para todas as horas. Congadeiro, ele segue os passos do avô e quer levar a frente a congada que aprendeu a gostar desde cedo: “quando era criança saía com o avô, acordávamos às cinco da manhã e saíamos juntos”.
Um ex - padre da cidade, o Chico, tem Leandro como um exemplo a ser seguido e conta sempre com a presença dele nas festividades religiosas, principalmente na festa do Rosário, quando a congada faz apresentações. “A devoção e a fé de Leandro é algo belíssimo e é muito bom saber que nos dias de hoje ele é uma pessoa que sabe dar valor ao ser humano”, afirma.
Para o companheiro de “pito”, Venceslau, de 70 anos, a praça da cidade não tem a mesma graça sem a presença de Leandro - ali sentamos para longas conversas e lembranças de nossa juventude. Ele se recorda dos bailes, dos passeios e das colheitas de milho realizadas na roça.
A filha única de Leandro, Maria das Graças, de 50 anos, lembra da educação severa que teve do pai, mas, conta com carinho de duas grandes alegrias que marcaram a vida dele: “uma foi quando ele comprou uma lambreta e saía para passear com a mãe pelas ruas da cidade e a outra foi com a sanfona, que ele adquiriu há 30 anos e que ainda está em ótimo estado de conservação e que até hoje é o xodó da família”.

Os Balaieiros

Por Suelen Leandra


Assim são conhecidos pelas redondezas o casal Aramita Vicensa de Jesus, 64 e Joaquim Luiz do Carmo 67. Há anos, viverem da arte de tecer balaios e outros artefatos com varas de bambú.Eles nasceram em Cabeceira do Paraíso no interior de Minas, e são casados à 51 anos e tiveram cinco. Apenas tres deles estão vivos, e todos, vivem praticamente da confeção do artesanato. Luiz conta que aos 18 anos, conheceu dona Aramita em uma procisão e uma mês depois já tinha certeza de que queria se casar com ela.Ele então pediu ao irmão da moça que à pedisse em casamento em nome dele, e ao saber do “sim, o casamento saiu logo. De origem humilde, depois de casados forão viver no bairro Contente na cidade de Coronel Fabriciano, onde já estão há 32 anos.
Dona Aramita, aprendeu o ofício de tecer com bambús durante sua infância com um tio. A arte da fabricação de cestas, balaios, vassouras e outros artigos de decoração e de utilidade domestica, passa de geração em geração pela familia do casal. A artesã tem 30 anos na profissão, e o marido, hoje aposentado, ajuda esporadicamente na fabricação de alguns produtos. Quando indagada sobre o quanto ainda pretende continuar com artesanato, ela diz sem pensar: “Enquanto Deus me der vida e saúde”.Sem falar que este trabalho, é o sustento da familia.
A fabricação das peças, é feita em pequena escala. Com a ajuda de parentes e vizinhos, Aramita consegue vender os produtos na rodoviaria da cidade, e de porta em porta. A familia conta também com o dinheiro das pequenas encomendas feitas diretamente na casa deles.
A familia de dona Aramita de Jesus é um exemplo, pois eles encontraram uma forma alternativa de engrosar a renda mensal da familia. Juntos eles provam que com cooperação e força de vontade, fica fácil driblar as dificuldades da vida.