Por Bruno Costa
Comemora-se no dia 13 de maio a abolição da escravatura, passou 120 anos desde a assinatura da Lei Áurea, porém o que se aprende até hoje pela historiografia brasileira, é sobre um cenário de escravos amarrados em troncos, sendo chicoteados. Mas há um outro lado dessa história que diz respeito a tradição afro-brasileira, quando apresenta a liberdade conquistada pelos negros e a contribuição da cultura africana na edificação do Brasil.
Os negros vindos durante o período da escravidão para o Brasil eram na maioria, nascido em Angola. Eles eram considerados mais ágeis por terem estatura mediana e maior aproveitamento no trabalho braçal. Porém, essa habilidade dos angolanos também foi utilizada para eles fugirem das fazendas em busca de abrigo nas matas, conhecidas como capoeira. Os donos destes escravos mandavam os capitães-do-mato buscarem os fugitivos que enfrentavam os capatazes com ataques com os pés, com as mãos e com a cabeça, dando-lhes bordoadas que, às vezes, levavam à morte. Os capatazes que sobreviviam voltavam e os patrões faziam sempre a pergunta: cadê os negros? A resposta era sempre a mesma: fomos apanhados capoeira, referindo-se ao local onde foram derrotados. Acredita-se que daí surgiu o nome Capoeira Angola.
Atualmente muitos capoeiristas acreditam que a Capoeira Angola, utilizada pelos negros para se esquivarem dos chicotes, é simplesmente uma capoeira jogada mais lentamente, menos agressiva que usa golpes baixos e tem maior apoio das mãos no chão. Por isso é considerada superada na história dessa arte-luta pelas técnicas mais modernas, a tradicional Capoeira Regional.
O treinel Tchunha, fundador do grupo “Erê” de capoeira, de Coronel Fabriciano, destaca que praticantes desta modalidade desconhecem os valores e contribuições que podem ser adquiridos com a prática da Capoeira Angola. Treinel é o profissional que conduz a prática desta modalidade e que está apenas um nível abaixo do mestre-de-capoeira. Segundo ele, ao reunir música, poesia, folclore, artesanato e dança com a luta e os rituais, o jogo recebe outra projeção e pode ser traduzido como a mais forte e completa expressão da cultura popular brasileira.
O grupo Erê é composto por 10 crianças e adolescentes que apresentam problemas de comportamento como, por exemplo, agressividade. O curso de capoeira é gratuito e voltado para os alunos da rede pública de ensino da cidade. Uma vez por mês são realizadas reuniões com os pais dos alunos onde são retratados temas do cotidiano. Entre eles, as constantes brigas entre alunos na escola. Nestes encontros o treinel avalia as transformações que ocorrem na vida dos novos praticantes, tanto na escola quanto nas ruas. Paralelamente à atividade da capoeira, o grupo ainda recolhe cestas básicas, que são doadas por empresários da cidade e depois as distribui aos pais dos alunos.
Segundo Tchunha, a Capoeira Angola baseia-se em três pontos: a dança como disfarce em relação ao feitor; o jogo enquanto estudo de si mesmo e a luta como um instrumento de libertação. Tradicionalmente o ensino da antiga Capoeira Angola é feito através dos instintos, sem métodos. Os praticantes aprendem com a participação na roda. “Dessa forma as crianças e os adolescentes desenvolvem a concentração, uma vez que eles devem observar o amigo para aprender e desenvolver a própria técnica”, ressalta. Ele afirma que com este trabalho o grupo já conseguiu transformar a vida de muitas crianças e adolescentes.
Com a dança, que sempre é acompanhada de cantos, os quais tem letras que contam parte da história brasileira, o aluno Gilson Rodrigues, 17, conta que aprendeu uma “parte da vida dos antepassados que não é ensinada na escola”. Ele destaca a história do berimbau, que é o grande símbolo da capoeira. Ele só descobriu que este instrumento musical também foi utilizado como ferramenta de trabalho e era utilizado para corte de cerâmica nos encontros do grupo.
Tradicionalmente o ensino da antiga Capoeira Angola ocorre de forma instintiva, sem qualquer preocupação metodológica. Os novos praticantes aprendem com a participação na roda. “Dessa forma é desenvolvido nas crianças e nos adolescentes o ato da concentração e do estudo de si, uma vez que eles devem observar o amigo para aprender e desenvolver sua própria técnica”, afirmou Tchunha. O respeito aos mais destacados também é algo que tende a desenvolver durante as rodas de capoeira, pois é da observação dos movimentos, que os novos praticantes aprendem novas técnicas.
A capoeira foi perseguida durante a escravidão e também após a abolição da escravatura. Com o código penal em 1890, imposto durante o governo de Teodoro da Fonseca, essa prática foi proibida em todo o território nacional. Mas qual seria o motivo para a proibição? O ódio de alguns chefes políticos ou o medo da essência? Quanto a essas perguntas, ainda não se tem uma resposta, mas é certo afirmar que foi em nome da liberdade que a Capoeira nasceu e continua até os dias de hoje.
Assim como toda trajetória dessa arte/luta, a exemplo do grande mestre da arte, Mestre Pastinha, que por duas vezes foi tirado dos casarões onde transmitia o conhecimento dessa cultura afro-brasileira , o Erê também passou por várias dificuldades. A persistência, o amor pela arte e a vontade de difundir parte da história que representa o movimento de resistência da cultura negra, fez com que um grupo de alunos continuasse a prática da Capoeira Angola.
Atualmente o grupo joga e faz os encontros em local emprestado, mas em março deste ano recebeu um lote, doação da prefeitura local. Para eles o próximo passo é arrecadar doações de materiais de construção. Tchunha conta dos detalhes do projeto com empolgação: terá oficina de materiais de capoeira, como o berimbau e o atabaque, além de salas de estudos equipadas com computadores.
A roda de capoeira é realizada aos domingos de manhã na sede do Clube dos Escoteiros, no bairro dos Professores em Coronel Fabriciano. Para participar basta ser aluno de qualquer escola pública do município e ter mais de 6 anos. Quem quiser doar cestas básicas, a entrega pode ser feita no mesmo endereço dos treinamentos.
Origem dos golpes:
Os golpes da Capoeira Angola são baseados em animais, plantas e instrumentos de trabalho, como:
Martelo: vem do uso da própria ferramenta, onde o golpe repete o movimento de cima para baixo e é realizado com os pés;
Rabo de Arraia: é baseado no movimento do ataque da arraia;
Bananeira: é realizada com as pernas e pés para cima;
Esquivas: foram baseadas na observação das lutas entre os animais;
Meia Lua: ilustra o arco da lua e é feito com os pés;
Rasteira: vem da caçada do leopardo, que durante a corrida com a presa, bate com a pata da frente na base traseira do animal.
Coice e cabeçada: são baseados nos movimentos de luta e defesa da zebra.
De acordo com o treinel Tchunha, os mestres mais antigos da Capoeira Angola afirmam que a Capoeira Angola se originou de ritual de uma tribo do sul da África. O animal símbolo é a zebra porque durante o ritual, os guerreiros lutavam entre si e o vencedor tinha o direito de escolher qualquer uma das mulheres da tribo que estivesse no início da vida sexual. A luta era baseada nos movimentos de ataque, defesa da zebra, animal abundante na África.