sábado, 14 de junho de 2008

Um marujo de fé



Por Graciele Pereira

Jaguaraçu é uma cidadezinha pacata onde se respira ar puro. Com quase 3 mil habitantes, Leandro Clementino é um marujo e aos 73 anos comanda a regência do grupo folclórico de congada que é uma tradição no local. Uma parceria de 40 anos de história.
Antônia Lisboa tem 74 anos e é casada com Leandro. Ela desempenha as funções no grupo folclórico com total devoção. Mais do que folclore o significado religioso da congada é grande e todos são devotos de Nossa Senhora do Rosário. Leandro conta que fez uma promessa quando teve que fazer uma cirurgia na coluna e havia o risco dele ficar paraplégico. Ele conta que depois que recebeu a graça, passou a se dedicar de corpo e alma ao grupo.
O mês de Julho é a época em se comemora a festa do Rosário na cidade e durante os festejos eles recebem mais de 30 pessoas em casa. Os congadeiros das localidades próximas se integram ao grupo e dona Antonia conta que o marido dela faz uma verdadeira festa com os amigos que ele reencontra: “a data é sagrada e virou um ponto de encontro, eles alegram a casa”. Segundo Leandro, alguns dos marujos ficam o ano todo sem se ver, mas que nesta data todos dão um jeito e aparecem.
Geraldo Martins, diz que vô Leandro está a todo vapor: “ele faz caminhada, anda de bicicleta pelas ruas da cidade, visita os amigos, vai à missa aos domingos e está sempre de bem com a vida”. De acordo com ele, quando vô Leandro senta pra prosear, o tempo passa num piscar de olhos quando o velho marujo começa a contar as lembranças dos velhos tempos. “Vô Leandro passou por uma superação de vida quando teve a casa dele queimada há uns 50 anos. Ele perdeu tudo e ficou morando num quarto na da casa de um amigo, mas ele se reergueu, adquiriu tudo de novo com muito esforço. Foi neste período que me aproximei dele e vi a sua garra e força de vontade”.
As crianças também se divertem na companhia do casal. Matheus, de apenas três anos, entra na casa gritando vovó, vovó! Leandro começa então a tocar sanfona e, em minutos, a sala está cheia com os vizinhos e conhecidos que passam pela rua e entram contagiados pela música.
Leandro possui vários instrumentos musicais e eles formam uma verdadeira fanfarra. Em pouco tempo o pandeiro está nas mãos de alguém, o triângulo nas mãos de outro, a caixa, a zabumba e o chique-chique ficam à disposição de quem queira tocar. Só a sanfona, o xodó de Leandro, é guardada a sete chaves.

O neto, Márcio Raufre, vê o avô como um velho amigo e um conselheiro para todas as horas. Congadeiro, ele segue os passos do avô e quer levar a frente a congada que aprendeu a gostar desde cedo: “quando era criança saía com o avô, acordávamos às cinco da manhã e saíamos juntos”.
Um ex - padre da cidade, o Chico, tem Leandro como um exemplo a ser seguido e conta sempre com a presença dele nas festividades religiosas, principalmente na festa do Rosário, quando a congada faz apresentações. “A devoção e a fé de Leandro é algo belíssimo e é muito bom saber que nos dias de hoje ele é uma pessoa que sabe dar valor ao ser humano”, afirma.
Para o companheiro de “pito”, Venceslau, de 70 anos, a praça da cidade não tem a mesma graça sem a presença de Leandro - ali sentamos para longas conversas e lembranças de nossa juventude. Ele se recorda dos bailes, dos passeios e das colheitas de milho realizadas na roça.
A filha única de Leandro, Maria das Graças, de 50 anos, lembra da educação severa que teve do pai, mas, conta com carinho de duas grandes alegrias que marcaram a vida dele: “uma foi quando ele comprou uma lambreta e saía para passear com a mãe pelas ruas da cidade e a outra foi com a sanfona, que ele adquiriu há 30 anos e que ainda está em ótimo estado de conservação e que até hoje é o xodó da família”.

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