Por Luis Augusto
Tinta branca no rosto, sobrancelhas em destaque de preto, uma camiseta com listras em branco e preto, chapéu feito de coco, um clássico suspensório e a calça preta meio amarrotada. Assim ele é visto todos os dias, no centro da cidade.
A cidade é tão grande e sem piedade. Difícil entender como ela não o engole. Talvez engula. Naquele momento bem humorado, ele pula, traça rápidos movimentos, fazendo graça e gestos gozados e arranca alguns sorrisos das pessoas que aos pouco o rodeiam.
Naquele espaço, pelo mímico passa um mundo de pessoas. Tantos olhares, diversidade: ricos, pobres, estudantes, advogados, executivos, padres, ladrões, comerciantes, gente que não tem nada e muita gente que acha que tem tudo. Quando formam uma grande roda à sua volta, ele se sente mais querido, aplaudem e, no momento em que ele passa o chapéu feito de côco, deixam cair nele uma coisa que já não lhe faz mais falta.
O coração daquele lugar é uma loucura, a multidão se apodera das ruas, todos têm muita pressa e dinheiro a perder. Este artista não. Continua no mesmo lugar, impassível e alheio a toda correria, sereno. Ele apenas dá conta de seu trabalho. Nem uma das pessoas que passa por ali consegue imaginar como pode ser seu rosto coberto por aquela maquiagem preta e branca, pesada. Muito menos conhecer seu nome, sua moradia, sua família, sua biografia. Permanente gringo.
Seu nome é Oliveto Ollivier, morador de um bairro pobre, se abriga em um cortiço. A cozinha é apertada, mal cabem duas pessoas e os poucos móveis que ali estão, dorme em um quartinho abafado onde com ele ficava a mulher e um filho pequeno. Por vezes resolve não ir para casa. Vai ao bar, tira a maquiagem, e quando se reconhece no espelho, o primeiro sinal que ele vê é a cicatriz na testa, marca de uma antiga briga, dia em que bebeu demais, então pede uma dose de pinga e uns dois maços de cigarros. Depois pede outra dose e outra e outra.. Por fim, quando chega ao seu cortiço, a mulher “compreende” e o coloca na cama, onde a noite irão passar junto ao filho. No dia seguinte, ao despertar, Oliveto chora escondido, feito uma criança com medo do “monstro do armário”.
No tempo de infância, ele dizia que quando fosse maior seria galã de filmes. Neste tempo os amigos de Oliveto estavam deslumbrados com os grandes craques do futebol. Dizia mais, seria astro e beijaria todas aquelas mulheres, teria muito dinheiro para poder fazer todas as coisas que a situação social em que vivia não o permitia fazer, sua imaginação o empolgava tanto que chegava a pensar como se fosse o dono do mundo. Vivia nos cinemas lá do centro. Não tinha dinheiro, mas era muito próximo do bilheteiro que deixava entrar na surdina. Mas a criança cresceu, seus sonhos continuaram sonhos e hoje é um homem ainda em busca do que pensava do seu futuro.
A realidade o leva novamente para o centro da cidade, o dever de levar para casa, mesmo que ainda pouco, o que comer. A maquiagem já faz parte da sua pele, e agora vai fazer mímica e fingir. Não se considera um bom mímico. Pensa, "Se fosse, eu seria artista de cinema". Existe algo em seus olhos que a máscara de tinta não oculta. Um brilho fosco, este que denuncia toda uma vida despedaçada, desacreditado de tudo. Porém, nem uma das pessoas que cultua a efervescência diária, no centro da cidade, tem conhecimento disso. Para toda essa gente, Oliveto é só um mímico, mais um artista de rua. Descrente, mas para ele isto basta.
Oliveto Ollivier hoje tem 63 anos, o filho foi embora com a mãe para Portugal junto com os avós. Desde então Oliveto tem notícias da família apenas no Natal e por carta. Com muito custo e depois de muita mímica conseguiu montar uma bancada onde tem os instrumentos de chaveiro. A bancada fica em um espaço entre a parede de uma barbearia e o muro de um edifício residencial no centro da cidade, bem ao lado do bar onde ele sempre se banha e ainda toma suas doses de pinga acompanhadas de vários maços de cigarro.
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